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GRANDE ROTA MARINHEIRA DO GUADIANA

Quando falamos de Eurocidade do Guadiana a primeira imagem que nos surge é a do «Grande Rio do Sul» e também da sua majestosa ponte internacional que, recentemente, foi alvo de uma enorme obra de reabilitação, tornando-a, para além de mais segura, ainda mais bonita e iluminada. Mas a Eurocidade do Guadiana e os municípios que a compõem têm, historicamente, uma intensa tradição marítima. Esta ligação ao mar advém do estabelecimento da população junto à foz do Guadiana, uma zona rica e fértil que, desde a Antiguidade, representa um enclave estratégico para a entrada de matérias-primas e saída de produtos vinculados ao mar. Da mesma forma, o facto de ser uma extensa zona de sapal levou ao surgimento de ofícios e atividades tradicionais que souberam aproveitar os recursos naturais, como é o caso da salinicultura tradicional. Em todo o território da Eurocidade as atividades ligadas ao mar e rio foram sempre de extrema importância no âmbito da Península Ibérica, marcando a sua idiossincrasia, identidade e paisagem natural.

CASTRO MARIM

É de um lugar privilegiado que iniciamos a nossa visita pela história marítima da Eurocidade do Guadiana. Em Castro Marim, o Centro de Interpretação do Território está na Colina do Revelim de Santo António, sendo um ponto de acolhimento dos turistas que daqui partem à descoberta do território e do Baixo Guadiana que se prolonga pela zona mais serrana do nordeste do Algarve e do Andévalo ocidental. Com uma vista de 360º, o Centro de Interpretação do Território tem um miradouro virtual com maquete em 3D que dá curiosas e importantes informações que estimulam a visita. Antes de partirmos à descoberta, devemos repousar sobre a imponente paisagem que se nos apresenta, e onde encontramos a Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António – A primeira classificada como Reserva Natural em Portugal -, bem como a foz do Guadiana e as localidades nas duas margens do rio.

A próxima paragem é a «Casa do Sal» que fica localizada bem no centro da vila. Com elevado valor patrimonial, atualmente, é um centro que promove a cultura e a salinicultura tradicional, sendo pólo dinamizador de diversas atividades. A Casa do Sal tem sempre em exposição vários produtos da atividade salineira tradicional, é o caso do sal e da flor de sal. Na sua reconversão, a «Casa do Sal», contou com a execução de um projeto que valorizou os materiais tradicionais. Mas para, verdadeiramente, sentirmos o pulsar desta atividade nada melhor do que nos deslocarmos até às salinas, que ocupam cerca de um terço da área da Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António. Aqui convivem a salinicultura artesanal com a grande exploração industrial. No centro de interpretação desta Reserva Natural, e através de uma informação expositiva com imagens e textos, é possível entender melhor a ancestralidade da produção tradicional do sal de Castro Marim. Esta atividade cujos primórdios não se conseguem precisar em datas, foi sempre alvo de muitos altos e baixos. Atualmente, o trabalho desenvolvido por produtores privados empreendedores e o apoio à promoção dado pelo município têm sido essenciais para a revitalização desta atividade que entrou em decadência, após a quebra da indústria conserveira de Vila Real de Santo António, na década de 60 do século XX.

A figura do salineiro é muito valorizada, quer pelo conhecimento transmitido, quer  por levar a cabo um trabalho extremamente difícil e exigente. Podemos aceder facilmente à salina tradicional «Félix», que, desde há uns anos a esta parte, está a ser gerida pelo município, na estratégia de estímulo à economia local, tanto ao nível do produto “sal” como dos setores educativo e turístico. O empreendedorismo dos empresários do Sal salta à vista dos visitantes. Exemplo disso é o spa salino na salina tradicional «Água-mãe». As gentes deste território reconhecem bem a qualidade deste produto, a sua ancestralidade, potencial económico, sendo que em todas as casas comerciais da zona o sal à venda tem o selo de Castro Marim.

Vila Real de Santo António

Vila Real de Santo António é a primeira vila régia de Portugal construída de raiz. Tal feito deveu-se ao Marquês de Pombal, ministro do rei D. José I (1714-1777) que pediu que este «projeto» fosse desenhado depois do despovoamento de Santo António de Arenilha, durante a Guerra da Restauração (1640-1668). Com a edificação desta nova urbe banhada pelo rio Guadiana, o Marquês de Pombal reforçou a presença portuguesa na foz do Guadiana, onde era possível controlar o comércio e desenvolver a pesca. Vila Real de Santo António surgia, assim, como uma vila-fábrica. Em meados do século XIX, e com a introdução das modernas conservas de atum e sardinha, teve lugar uma expansão territorial da indústria que levou à configuração que hoje conhecemos da estrutura urbana e do património industrial da cidade.

Visitemos a Praça Real – atualmente denominada Praça Marquês de Pombal -, o coração do centro histórico, desenhada pelo capitão Reinaldo Manuel dos Santos, o arquiteto-chefe da corte de D. José I (século XVIII). Apenas a um quarteirão do Guadiana, e sendo a zona de maior impacto urbano, teve na sua construção uma estratégia de proximidade ao rio e de congregação da atividade cívica e comercial da povoação. Por essa razão este é e sempre foi lugar de muitos encontros. Hoje, as noites de verão são animadas pelo convívio na larga praça em que as crianças se desdobram em brincadeiras à roda do obelisco com uma coroa, que se encontra ao centro. A praça Marquês de Pombal é o  ex-líbris desta cidade e onde se situa o edifício da câmara municipal.

Se seguirmos dois quarteirões para leste desembocamos na frente ribeirinha, a atual Avenida da República. As plantas das casas nobres pombalinas são de dois pisos e estão localizadas mesmo em frente a Ayamonte. Literalmente, acordar em Vila Real de Santo António é estar com pés em Portugal e o olhar em Espanha, e no meio o rio que une. No extremo meridional do centro histórico encontramos o Arquivo Histórico Municipal António Rosa Mendes, instalado no Torreão Sul, onde é possível visitar o Núcleo Museológico da Indústria Conserveira de Vila Real de Santo António. Aqui temos acesso a testemunhos materiais e humanos da arte pesqueira e da indústria conserveira de Vila Real de Santo António. Passagem obrigatória também nesta avenida é a Casa da Alfândega que teve o seu importante papel aduaneiro na época, e que foi restaurado e reabilitado para fins hoteleiros.

É de referir que a primeira pedra a ser lançada na nova vila régia foi a deste edifício, em 17 de Março de 1774, em plena época do iluminismo, e junto da Alfândega encontravam-se os edifícios das sociedades pesqueiras. Já no séc. XX, o empresário conserveiro Manuel Ramirez mandou construir o Hotel Guadiana, símbolo da prosperidade económica de Vila Real de Santo António, sendo o projeto da autoria do célebre arquiteto Ernesto Korrodi. Depois de muitos anos fechado e devoluto, o edifício foi classificado como Imóvel de Interesse Municipal. O seu restauro renovou a oferta turística na cidade, nomeadamente, no mercado da hotelaria de charme.

Seguimos para o porto de recreio, onde muitas vezes podemos assistir ao zarpar dos barcos à vela que satisfazem as delícias dos alunos da Associação Naval local em pleno rio Guadiana, sobretudo nas manhãs de sábado e domingo.

Continuando, temos o Torreão Norte, edifício que marca o limite setentrional do centro histórico e, no quarteirão seguinte, a mansão estilo Arte Nova projetada pelo arquiteto Raúl Lino e que inicialmente pertenceu à família Ramirez. Mais tarde foi comprada pela família Folque, motivo pelo qual hoje é conhecida por «Casa dos Folques».

Seguimos para sul até ao edifício da atual capitania do porto, que ostenta preciosa azulejaria da autoria do artista Jorge Colaço. Muito próximo temos o edifício do atual Conservatório de Vila Real de Santo António, que anteriormente foi residência dos Parodi,  família de conserveiros italianos que se estabeleceu em VRSA, ainda no séc. XIX. Seguimos para o farol de Vila Real de Santo António construído em 1923, sendo, atualmente, um ponto de referência para a navegação de embarcações em águas portuguesas e espanholas. Desde o alto da torre podemos apreciar uma estonteante vista sobre a serra, o mar, a costa andaluza, o rio Guadiana, a mata nacional das dunas costeiras, bem como a imensa baía de Monte Gordo.

Sair de Vila Real de Santo António até Ayamonte apenas é recomendável depois de visitar a foz do Guadiana e o seu pontão onde temos uma vista privilegiada do encontro entre rio e o oceano. É em pleno estuário do Guadiana que encontramos os estaleiros da Nautiber que tem por atividade principal a construção naval em poliéster reforçado, a fibra de vidro e a reparação naval. Uma empresa que em 2021 lançou ao mar um «navio científico», uma embarcação para validação e teste de tecnologias marítimas.

E para celebrar esta veia marítima vamos para o outro lado, Ayamonte, de ferryboat. Esta embarcação transporta tanto veículos como passageiros. Em 2021, o ferryboat foi agraciado com o 1º Prémio de Cooperação Transfronteiriça da Eurocidade do Guadiana.

AYAMONTE

Chegamos a um dos municípios com maior tradição marítima, a qual é possível descobrir ao longo da nossa rota. Comecemos pelo edifício da antiga alfândega, datada de 1940 e que se destaca por ser o único na zona decorado com placas de granito na fachada. É no edifício da antiga alfândega que funciona a sede da Eurocidade do Guadiana da parte de Ayamonte. Aqui perto, no «Muelle de Portugal» [zona reabilitada em 2021], podemos ter contacto com a escultura à mulher conserveira, da autoria de Pepe Gámez, que rende homenagem às mulheres que dedicaram a sua vida de trabalho às empresas conserveiras que existiam em Ayamonte. A indústria conserveira era uma atividade tradicional e artesanal que foi um dos principais motores económicos de Ayamonte. Paremos no porto pesqueiro, sendo o mais ocidental da Andaluzia. É constituído por um cais de 250 metros, uma área de desembarque e outra de pesca. É altamente recomendável a visita à lota internacional de Ayamonte e desfrutar da experiência da venda e compra do pescado e marisco muito fresco.

Daqui seguimos para a «Casa Marchena», atual edifício da câmara municipal de Ayamonte, construído por Manuel Rivero, conhecido como o «El Pintado» (1697-1780) no século XVIII para deixar de herança ao seu filho. Este tipo de casa pertencia a grandes comerciantes e proprietários de grandes frotas de barcos com os quais faziam a Carreira das Índias. «El Pintado», nascido em Ayamonte, cresceu no seio de uma família humilde muito vinculada ao comércio americano e ao mar. Foi regedor em Ayamonte e um importante comerciante que fez a sua fortuna no comércio marítimo, denotando a importância do mar na economia de então. Mantemo-nos na «Plaza de la Laguna», a praça central da cidade como se pode verificar pelos serviços de que dispõe. Aqui encontramos a reprodução em azulejo da obra de pintura «La pesca del atún» do famoso pintor espanhol Joaquín Sorolla. Trata-se de uma cena tradicional da cidade de Ayamonte, foi pintada em 1919 por esse grande mestre da pintura. Na obra é possível observar os pescadores a trabalhar o atum que acabam de tirar do mar. Esta obra, cuja cena cativou o pintor e o retratou para a posteridade, faz parte da série encomendada pela Hispanic Society de Nova York. Também conhecida como «Ayamonte y La pesca del atún» ilustra a proximidade de Espanha e Portugal nos tempos áureos da indústria conserveira e pesca de atum.

Vamos até ao Passeio da Ribeira desenhada por Aníbal González para distinguir algumas das mais singulares edificações de Ayamonte conhecidas como «Miradores» ou «Torres Bandera». Trata-se de quatro pequenas estruturas em forma de torre que se veem desde o porto e «Paseo de la Ribera». Eram casas dos antigos armadores de barcos que tinham fábricas de conserva e que eram construídas mais altas para permitir ver o mar. Quando a embarcação de serviço chegava ao porto, içava uma bandeira específica no mastro principal para indicar quantas caixas de sardinha trazia de modo a organizar com tempo todos os dispositivos necessários.

Em Ayamonte há um lugar em perfeita harmonia com a natureza. É o «Molino del Pintado» que tem uma envolvente única e que nos introduz no «Paraje Natural Marismas del Guadiana y Carreras». Este moinho de água salgada testemunha a sabedoria da natureza ao serviço da tecnologia da altura. Com data do século XVIII conta na sua história com a reconstrução por parte, mais uma vez, do «El Pintado».

Continuamos o percurso e vamos até ao mausoléu romano, entretanto reabilitado, no qual foram encontradas relíquias arqueológicas, tais como cerâmicas e ânforas. Esta construção poderia fazer parte de um vasto complexo que incluiria uma fábrica de salga romana chamada «El cerro de las piedras», descoberta em 2016. Os vestígios, que se encontram hoje enterrados por prevenção, confirmam a origem marítima de Ayamonte desde a época romana.

Vamos finalizar esta rota visitando o bairro dos pescadores de «Punta del Moral», cujas origens remontam ao século IV. Na época moderna, durante a segunda metade do século XVIII foi uma colónia sazonal de pescadores catalães no sítio de «La Mojarra», sendo esta destruída pelo terramoto de 1755, ficando desabitada. No final do século XIX a «Punta del Moral» ganha a configuração que mantém até aos dias de hoje, provocada pela chegada de famílias de Almeria e de Portugal que se fixaram nesta zona impulsionadas pela oferta de trabalho nos galeões e nas almadravas – pesca do atum.

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