Ao longo do percurso desta rota adentramo-nos no mundo das artes e letras, conhecendo personalidades singulares nascidas ou com vínculo a este território. Vamo-nos aproximar das manifestações atuais de artistas, das estruturas criadas para a sua difusão, bem como de uma oferta cultural cada vez mais rica e diversificada na Eurocidade do Guadiana; território que, por si só, é sinónimo de cultura e expressão artística.
AYAMONTE
Ayamonte é conhecida além-fronteiras como terra de artistas, facto que poderá constatar nesta rota. Comecemos pelo estúdio do artista Rafael Oliva e deixemo-nos nutrir pela sua imponente capacidade de expressão artística. Contactar com a sua arte é apreciar um dos artistas mais destacados do período contemporâneo em Espanha. Seguimos para a Casa Grande onde, atualmente, funciona a sede da Área Municipal de Cultura do Município. Aqui está também instalada a Biblioteca Municipal que tem como patrono o poeta Jiménez Barberi. Na Casa Grande existem várias salas de exposição e um pequeno auditório. Espaços intensamente dinamizados todo o ano e com elevada afluência de público. No seu interior encontra-se a galeria de arte onde estão expostas as «Tablas Flamencas» de Jan Sanders Van Hemessen (1500-1556), considerada uma das melhores colecções de pintura flamenga da Andaluzia. Podemos ver também uma importante coleção de artistas contemporâneos. O edifício data do século XVIII e foi mandado construir por Manuel Rivero, seguindo os cânones da típica casa colonial burguesa onde estavam os negociantes de comércio com a Índia. A casa servia como entreposto comercial e, simultaneamente, como casa familiar, com múltiplas divisões e, ainda, uma cavalariça. Todas estas áreas dispõem-se em torno de um pátio que serve de eixo central de todo o complexo e que hoje, como típico pátio andaluz, encanta quem ali chega. A fachada imponente é de alvenaria de pedra ostra – elemento típico das casas de Cádiz da época; símbolo de ostentação e poder económico. As requintadas fechaduras nas janelas e varandas reforçam esse estatuto.
A Casa Grande foi adquirida e restaurada pelo município de Ayamonte em 1999, e sendo hoje lugar de diversos eventos de música, literatura, artes plásticas e até conferências, destaca-se no seu interior a «Sala de Las Tinajas» que preserva a memória de um lugar onde em tempos eram conservados alimentos e armazenamento de água.
Em seguida iremos ao ateliê dos artistas Andrés Moreno, depois ao do artista Juan Galán e ao da artista Laura Morales. As visitas aos estúdios vão permitir observar de perto o processo criativo dos artistas de Ayamonte. Visitaremos também duas galerias de arte, a Galeria Café Passage e a Galeria Seda Espacio Abierto, regularmente dinamizadas.
Seguimos a nossa rota até à «Plaza de la Laguna», projetada pelo arquiteto José María Pérez Carasa, inaugurada em 1944. Aqui encontramos uma reprodução de azulejos do quadro conhecido como: «Ayamonte y La pesca del atún», de Joaquín Sorolla, pintado no ano de 1919 pelo grande mestre da luminosidade na pintura a óleo do seu tempo. Na obra vê-se os pescadores trabalhando o atum que acabam de tirar do mar, uma cena que cativou o pintor e que este retratou para a posteridade. Nesta praça podemos apreciar, também, os restantes painéis de azulejos, desenhados por Prudencio Gutiérrez Pallares, que adornam as costas dos bancos, mostrando-nos diversos momentos, lugares e costumes de Ayamonte de outros tempos. Para terminar o nosso percurso em Ayamonte iremos ao «Patio de la Jabonería», integrado no Palácio do Marquês de Ayamonte. Atualmente é o ateliê museológico do pintor Florencio Aguilera e palco de diversos eventos culturais, tais como o Festival Internacional de Música e os concertos das Noites do Pátio.
O palácio está localizado a norte do centro urbano da povoação, entre a zona denominada “La Villa”. O palácio está localizado a norte do centro urbano da povoação, entre a zona denominada “La Villa”. É um dos edifícios de maior relevância histórica, não só no concelho de Ayamonte, como também no concelho de Niebla, mostrando bem que o domínio dos Guzmanes se estendeu por grande parte da província de Huelva e especialmente na sua costa ocidental.
CASTRO MARIM
No concelho de Castro Marim começamos a nossa visita ao Monte Francisco. A ligação de Paco de Lucía às suas raízes maternas, pois a sua mãe nasceu nesta povoação, perpetuou-se no nome artístico deste génio da guitarra flamenca, bem como no nome de trabalhos discográficos como é o caso de «Castro Marín» (1981) y «Luzia» (1998). Castro Marim e o seu município quiseram promover e ampliar a relação de Paco de Lucía com as suas raízes. Por essa razão, em 2018, o «Largo Manuel Gomes – Tributo a Paco de Lucía» surge na localidade de Monte Francisco, junto à casa onde nasceu e viveu Lúcia Gomes, a mãe do artista. Este largo evoca e resgata um pouco da vida e da obra do músico, compositor e intérprete com peças artísticas que invocam sensorialmente através do instrumento que elegeu – a guitarra flamenca -, a cultura sulina / a cultura do levantina (ou do Levante).
Foi também instalado neste largo um sistema de áudio que permite aos visitantes conhecer o legado musical do génio da guitarra e do flamenco. Entretanto, em 2016, foi criado pelo município de Castro Marim o “Festival de Lucía”, evento que pretende divulgar os novos valores da guitarra e do flamenco, sendo a fadista Mariza madrinha e embaixadora da iniciativa.
Descemos do Monte Francisco e vamos até à entrada da vila de Castro Marim onde uma imponente escultura de ferro, da autoria do artista Carlos Correia, nos mostra um Cavaleiro Medieval da Ordem de Cristo. Por todo o concelho podemos contactar com diversas obras deste escultor como é o caso das esculturas na Ciclovia da Lezíria inspiradas no desporto, o Eco-Pulmão, no centro da vila que nos alerta para os malefícios do tabaco na saúde e no meio ambiente, o Caçador, aludindo à atividade cinegética, uma prática com relevância económica no concelho, entre outras.
Dentro da vila vamos visitar a «Casa do Sal». Trata-se de um centro de dinamização cultural e da valorização e promoção da salicultura tradicional, com diversas áreas funcionais, com o objetivo de promover atividades sociais, culturais e recreativas. É, antes de tudo, um espaço que pretende ser dinâmico e próximo da comunidade. No seu pátio interior, em homenagem a esta atividade, tão importante como característica da vila, foi realizada uma pintura mural da autoria de Abel Viegas, que poderá ser descoberta durante a visita a este equipamento cultural. A sua sala central é um espaço para exposições temporárias. Para terminar a visita ao concelho, iremos visitar a Biblioteca Municipal de Castro Marim, cuja arquitetura, da autoria de José Alegria, é marcada pela influência mediterrânica do Algarve Al-Andalus, concretizada em materiais de construção artesanais e tradicionais da zona.
VILA REAL DE SANTO ANTÓNIO
A nossa visita a Vila Real de Santo António começa no centro cultural António Aleixo, na famosa Rua Dr. Teófilo Braga, a «rua das lojas». Este espaço foi originalmente o quartel do destacamento do Regimento de Artilharia do Algarve que albergava as tropas destinadas à defesa da recém-edificada vila iluminista. O atual edifício do centro cultural, projetado pelo arquiteto Raúl Martins em 1922, foi mercado municipal, local onde convergia a vida quotidiana na vila. Manteve-se a funcionar até 1991, ano em que o designado Mercado 1º de Maio (tradicionalmente conhecido por mercado da verdura) cessou definitivamente a sua atividade. Mais tarde, o mercado foi instalado noutro ponto da cidade.
A sua inauguração como casa de cultura teve lugar em 1998 e o seu nome é uma homenagem ao poeta popular António Aleixo, nascido em Vila Real de Santo António no ano de 1899. Hoje em dia o centro cultural acolhe inúmeros eventos e é também palco do «Presépio Gigante de Vila Real de Santo António», um dos maiores de sempre de Portugal.
Sigamos ao encontro de figuras incontornáveis de Vila Real de Santo António e chegamos ao Largo Lutegarda. Nascida em 1873, esta vila-realense foi poeta e ativista da emancipação feminina. Ao longo da sua vida foi também defensora dos mais necessitados a quem ajudou bastante, nomeadamente crianças doentes. Pela cidade que a viu nascer (e de onde saiu cedo para ir viver em Lisboa) existem inúmeras referências; desde logo, junto ao rio onde temos uma estátua da autoria do artista plástico Nuno Rufino.
E é no seguimento deste mesmo rio que, na avenida da República, temos, no interior do Arquivo Histórico Municipal António Rosa Mendes, a exposição do espólio artístico de Manuel Cabanas. Trata-se de um espaço dedicado ao intelectual e artista, onde podemos apreciar a maior coleção de xilogravura de Portugal.
Ainda impressionados com a arte de Manuel Cabanas, natural de Vila Nova de Cacela, seguimos para oeste, até à Biblioteca Municipal Vicente Campinas. Um espaço cultural que homenageia o seu patrono, António Vicente Campinas, homem das letras e figura incontornável da resistência antifascista em Portugal.
Perto da biblioteca e do mercado municipais encontramos a rotunda António Aleixo, cuja escultura proeminente – obra do artista Nuno Rufino -, homenageia o poeta popular.
CACELA VELHA (Vila Real de Santo António)
Foi em Cacela, Qast’alla islâmica, que no séc. X, nasceu o conhecido poeta Ibn Darrraj (948-1030). Importante figura da cultura hispano-árabe, Ibn Darraj foi descendente da família berbere que controlava então o hisn (fortificação rural) de Cacela. Foi muito estimado pelos seus contemporâneos e deixou uma vasta obra poética. Ibn Darraj é um exemplo da enorme pujança da produção poética do al-Andalus e em concreto no Gharb al-Andalus.
Foi a partir da sua herança poética e da vontade de associar a vila de Cacela à poesia, que surgiu recentemente uma nova toponímia em Cacela Velha, onde as ruas ganharam nomes de poetas que aí nasceram ou sobre ela escreveram. Numa visita apurada, podemos verificar que o largo principal ganhou a designação de Largo Ibn Darraj al-Qastalli. Outros poetas que nasceram ou se inspiraram em Cacela Velha, como Abû al-‘Abdarî, poeta natural de Cacela (séc. XI), Sophia de Mello Breyner Andresen, escritora e poetisa (1919-2004), Eugénio de Andrade, poeta (1923-2005) e Teresa Rita Lopes, escritora e poetisa (1937), deram nome às restantes ruas. Para além das placas toponímicas foram ainda afixados pequenos azulejos com poemas da autoria dos escritores em questão, que permitem que as palavras guiem o olhar do visitante sobre a bela Cacela e paisagem envolvente. Convidando-nos à leitura!